GONÇALO BRUNO DE SOUZA
( Portugal )
Nasceu em Lisboa, Portugal, em 1962.
Vive em Almada e escreveu dois poemas na Praia de Sta. Cruz.
Tem poemas publicados no sítio da Garganta da Serpente e, em papel, na primeira antologia da lista Encontro de escritas, além de contos infanto-juvenis no Círculo Curumi 1 do Movimento Cultural aBrace.
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LETRAS DEL DESAMOR. Selección de Poesía de Autores Contemporáneos. Montevideo: Bianchi editores; Brasilia: Edições Pilar, s. d. 272 p. ISBN 99574-663-82-2
Ex. bibl. Antonio Miranda
–Como uma gaivota ao vento–
Parte, como uma gaivota ao vento —
assim tem que ser – vai, através do azul,
ser tudo o que fomos, infinitamente,
o mar, a lua, as pálidas estrelas.
Algo de mim irá contigo: o meu sangue,
a minha carne, todos os azuis possíveis
por onde vogou o nosso jovem
sempre, como uma gaivota ao vento.
Algures, na memória, como um mármore,
estaremos sempre juntos, como se eu
tivesse morrido, e meu espírito se desse,
último pássaro improvável, na alvorada.
Os passos que se afastam, incrustam em nós
um definitivo abraço, serás sempre menina,
mesmo quando o tempo escrever, na tua pele,
signos que cantam a tua viagem interminável.
A cor da borboleta é mais eterna que as pirâmides.
Tudo é tão simples e nós sempre o soubemos -
o vento sopra nas árvores, e o sol, devagarinho,
ergue-se, derramando a sua luz sobre o mar, além.
Parte como uma gaivota ao vento -
ainda que os meus olhos estejam humedecidos,
a minha alma exulta: devolves-me a pureza
antiga das crianças, das águas e dos pássaros.
(Há um mistério encerrado em cada voo de ave,
e só os meninos o entendem – riem e cantam,
as tenras mãos revolvendo a terra e a água,
o lodo primordial, matriz das coisas.)
Ambos sabemos que não há que perder tempo,
quando o mistério nos chama, por isso parte!
Gaivota ao vento que sopra nas árvores
e sobre o vasto mar, levas na boca a minha benção.
Se convier ao teu jovem bater de asas (menina,
sempre menina), o meu gesto far-se-á azul e prata,
para que o amor melhor nos separe: incendiado poente,
anunciando futuras madrugadas de pássaros e pomos.
Parte, sim, parte, gaivota de asas brancas, vagando
ao vento do largo mar, ou talvez anjo, forte como uma
rosa perfumada, eterna como a cor da borboleta,
branca, da brancura das nuvens e dos barcos.
Pois ainda que decorra o tempo de uma vida,
eu serei sempre teu, e sempre partilharemos
o riso de uma criança, o sabor do café quente,
a aragem das manhãs, na queda esplanada.
Vai, então como uma gaivota ao vento
e não estranhes o azul, nem o voo, nem o vento,
pois, sob a dourada abóbada do céu,
tu és o azul, o voo e o vento.
-A casa, a porta e o caminho, além-
Um caminho de pedras
espera os meus passos.
A casa, terminado o dia,
abria-me a sua porta;
doce é o aconchego da cama,
feita de lençóis de linho,
perfumados,
por sabonetes de alfazema,
que distribuías pelas gavetas.
As tuas mãos
guardavam esse perfume,
recordo-o,
e a madeira antiga,
e o odor da sopa
nas tigelas de barro.
Estou-te grato
pelas coisas simples,
que alegram o meu coração;
a memória dos felizes
faz-se, talvez,
de odores de sopa,
madeira e alfazema.
Agora vou,
por um caminho de pedras
orvalhadas,
ladeado de hortelã
e pássaros,
ao sol que se ergue, além;
E a minha alma
vai tão leve,
como a de uma criança
nascendo
do ventre da sua mãe.
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